data-filename="retriever" style="width: 100%;">Não podemos ter um superpoder, seja qual for.
Os norte-americanos arquitetaram o modelo de "república presidencialista" ao organizarem o país que nascia em 1776. Estruturaram três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário, todos muito fortes. Pensaram numa federação que tivesse um poderoso governo central capaz de fazer frente a ameaças externas e conflitos internos, mas temeram que tal Executivo levasse à tirania. Geraram o que alguns chamam de "equipotência" dos poderes. Cada um deles tão forte que se controlam em favor do cidadão.
O presidencialismo espalhou-se entre ex-colônias ibéricas das Américas e a igualdade entre os poderes não foi alcançada. Tivemos décadas de governos fortes derivando para predomínio do Executivo ou distorções de autoritarismos e ditaduras.
Desde a proclamação da república, o Brasil tenta seguir o modelo norte-americano, com histórica prevalência do Executivo. Na Constituinte de 1987/88 foi discutido como montar a tal "equipotência" entre os poderes. O Brasil deveria consolidar a convivência dos poderes "independentes e harmônicos entre si" e equilibrados na sua força institucional. No entanto, na prática e na sensação dos cidadãos, há uma prevalência do Judiciário, exatamente o único dos poderes que não deriva do voto popular.
A distorção que estamos a presenciar é mais de comportamento do que de norma. Os princípios constitucionais estão adequados no sentido de garantir aos cidadãos o acesso aos poderes, ao processo decisório, à implementação de políticas públicas e à preservação de direitos ameaçados. Cada poder tem suas competências definidas e regras de funcionamento. O que está acontecendo é que cidadãos e agentes públicos estão recorrendo aos Judiciário em questões que possuem outros níveis de decisão e os juízes aceitam se envolver em competências internas dos outros poderes ou afirmarem em sentenças o que são suas convicções particulares ideológicas, políticas e sociais.
Já tivemos decisões judiciais como obrigar igreja a realizar um casamento fora de seus cânones, determinar o asfaltamento de rodovia ou outras obras da competência executiva, privilegiar alguém na fila de transplantes de órgãos etc. A desta semana foi determinar que um parlamentar, em pleno mandato e gozo de prerrogativas, não poderia ser relator de comissão parlamentar de inquérito... Todas estas logo reformadas por instâncias superiores do próprio Judiciário. Todavia os órgãos colegiados do Judiciário tendem também à invasão de competências.
Não podemos ter um superpoder, seja qual for. Os assuntos internos do Legislativo não devem ser decididos pelo Judiciário, salvo prejuízo de direito fundamental ou ilegalidade. Vale, também, para o ato de administrar do Executivo. Não se trata de impedir o direito de postular e o acesso à justiça, apenas que cidadãos, agentes públicos e julgadores tenham consciência e respeito às competências e funções de cada um dos poderes independentes e harmônicos.
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